27.3.07

Saudade

Se disse que ignorei, menti
Sou tudo o que vive
Mede e compensa
Hoje, sou tudo sem ti

E vê que em cada espelho
Se reflecte o quanto me fazias
Lutar pelo nada
Vê silêncio que te explica
A vontade abandonada

25.3.07

Alguém

Subo a rua que tu já desceste
Sozinha pensei o impensável
Sozinha me achaste...
E então o pensaste comigo
E sou agora o sorriso que te pertence
Sou a eterna dúvida entre o saber e o sonhar
E como se os gestos não me bastassem
Como se as palavras não me chegasssem
Contradicta te questiono, a nós e ao que será o amar...
Mas com todo o silêncio que me dás
Com cada toque em que me tornas amada
Me fazes acreditar
Que encontrei o tudo
Ao lutar pelo nada...

20.3.07

Talvez

Talvez se amasse como quem sorri
Em que tudo surge, tudo o que vi
Faria de mim criança apartada
Em vez de morta, vida pensada

Talvez se as palavras me dessem
Sentido tal ao imaginado
Seria eu em todo um livre
Livre de impróprio sentir limitado

E talvez se fosse mais que nada
Aquilo que dou a quem me pede
Seria eu viva, e errada
No silêncio de quem cede

Estória

Era uma vez um menino
Que brincava e saltava
E que sempre que caía
Pela mãe chorava

E a mãe logo acodia
Na sua maior aflição
E o menino, sorria,
Por ter o amor da mãe na mão

Ao atravessar a estrada, um dia
A mãe do menino morreu
E ele chorava, chorava
Mas ninguém apareceu

Assim o menino ficou
Sozinho e triste e sem ninguém
À beira daquela estrada, sentado
Sem o amor da sua mãe

E o menino triste descobriu a vida
Para sempre sentado naquela estrada, divagou
Descobriu que sentir o fazia chorar
Descobriu que pensar nunca tanto o magoou

Então, naquela estrada de fim
O menino, absorto, morreu
Insensível, olhou um carro e a luz
E sozinho, adormeceu

12.3.07

Momento

Hoje marquei pai
Corria mas parecia andar
Prolonga-se o momento
O será espera em vão
E o foi pede perdão
Cheguei à linha final
As cores unem-se
Nada se ouve
De tão lindo ser o que dizes
Assim como tudo o que digo espanta
O toque abandona-me
Cheirei o nada
E vi tudo
Hoje pai, morri

Cláudio

prenda fantástica, de facto
muito obrigado :)

7.3.07

Longitude

Pensando bem, nunca achou que valhesse a pena. Agora, a sua firme idealização parecia estar a traí-la. Desde pequena que eram longas e tortuosas as noites que levava a divagar na sua morte. A princípio, era-lhe incapaz a compreensão de tais noites, em que as pernas tremiam, incontrolavelmente, em desespero, as lágrimas lhe inundavam o sono, e este era substituído pelo então estrangeiro sentimento de indagação acerca do que fazia ali, deitada na sua cama. Passado tempo, chegou a deixar de pensar na questão, vivendo na alegria de uma sociedade em que juntos nos igualamos, juntos somos o que há a ser, sem questionar. Uma autêntica perfeição, de facto. Porém, o toque veio. Aquele toque que despertou em si o que não sabe se proveitoso ou se fatal, mas certamente o que a levou a relembrar as noites de abstracção na cama. Morte. Mas estranhamente, esta já não veio como incompreensível, mas sim absurdamente desejável. Enoja-lhe relembrar que já pensou assim, pobre criança apartada. Mas na altura tudo lhe parecia ajustado a tão unânime sentimento, estúpido, a essa incógnita vontade de abdicar de existir. Então, de súbito, a origem do toque emergiu em conflicto com a vontade. Na sua já habitual devastação, as mãos cansaram-se do consumista e vicioso toque e, com o direito da sua obrigatória existência, mudou. Mudou de toque. E desse toque para outro, e desse outro para tantos outros díspares. Nisto, a morte despiu-se de fascínio, e o agora sentido mostrou-se, de modo único e inequívoco, mais assombroso que nunca. Os sais das lágrimas deviam-se agora ao medo do fim, ao pânico de não existir, à agonia de ter nascido e ser manipulada a questionar, mais que maquinaria. Ausência e desejo de toque...Numa imaturidade consciente pela vivência, aclamou à racionalidade, deixando de lado a ânsia e premeditação que a viviam, para o prazer de apreciar cada novo padrão de contacto. E a morte suspende, a pairar constantemente sobre a cama onde outrora as pernas tremeram, onde agora sorri. Sorri por tudo o que fez, pensou e será. Por tudo até deixar de existir.