28.12.06

Ciclo

O tornar do não ser
Me cinge a tal depressão
De que a arte depende então
Ou me impediria de escrever

Que se por isso quero passar
Mesmo sem não conseguir
Querendo que deixe de existir
Em mim habita sem cessar

E os dedos tacteiam
Coisa palpável que dissipa em mim
Me enche os olhos de cegueira assim
Para o sonho que todos anseiam

13.12.06

Pastiche de Camões

Quem no mundo quiser ser
O sumo da perfeição
Meus olhos dirão
Para que é viver ?
Que já nos meus olhos viste
A glória de viver triste

Nenhum gosto me seria
Se na alma e no pensamento
Não houvesse tormento
No meio desta porfia
Viver eu, sendo mortal
Vi o bem suceder o mal

1.12.06

Frio existente

O frio racha qualquer um. Tira o movimento à àgua, ensurdece o vento, mata o verde. A mim ? Congela-me. Pensa-me. Mas que congele por dentro, e não por fora. Porque ao congelar por dentro ia parar, amaria o frio para sempre. Ia parar aquilo que se agrava desde à tempos, aquilo que tenho vergonha de onde veio. Que me estragou. É um tal desenquadramento da realidade temporal que me chora por dentro, porque as lágrimas de fora, as que me sabem a sal, essas não são nada .. são o mínimo extracto do que se passa por dentro. Nem a cabeça baixa, nem os olhos vermelhos, nada disso é o que realmente se passa. O agir como tantos outros faz com que me insiram em determinado grupo, o dos desgraçados, e isso desagrada-me de tal modo que o sentimento em mim me torna desagradável para com o mundo, ainda mais. Porque é algo de extraordinariamente mal encantado que me surge, e daí provém também a sensação de não ser. Eu não sou. Não como queria. E se o frio congelasse por dentro, eu não era nem deixava de ser. Seria desalmada. E como deve saber a lúxuria tal coisa. O dom de não ser, o dom de ser nada. Mas existir. E é um sentimento idolatral o que me enche, e por isso me esvaio ainda mais, por não ser capaz, por sofrer e não saber parar, por cobiçar a felicidade, e que ignorante é da minha parte cobiçar as coisas, o que existe. Como é que alguém que quer não ser quer coisas que existem ? Quer coisas ? É o descontrolo, se pudesse matava-o de forma incomensurável, para que gritasse, gritasse tão alto que se tornasse em desespero, e o desespero em dor infindável, e por fim .. o fim. E é isso que me governa, que me desgraça, é um mau governo sem emenda. E nada pode ser feito, porque destino existe sim, e mal de mim não ser destino o sonhar. Portanto há que esperar, esperar o fim. Para que acabe, e eu deixe de ser. E isso eu quero, só isso eu quero e vai acontecer.

18.11.06

Umas quantas coisas ..

A felicidade e a perfeição são inatingíveis. E se o sei, como posso eu considerar estar feliz e a lutar pelo perfeito ?

Deus é a desculpa, o refúgio e a cobardia dos humanos.

A infelicidade é viciante, e de nada dos serve o negar a realidade.

Chuva

É incrível a maneira como chove hoje, agora, e como tudo isso me fascina. O barulho da chuva quando cai, a maneira que o céu empalida tornando-se num cinzento tão solitário que inconscientemente me faz pensar que as gotas de àgua que caiem são as suas lágrimas. O vento, junto com a chuva, faz com que até o terraço coberto da casa abandonada fique molhado. Aquela casa está por acabar à anos. Agora, encontra-se meio pintada, e o seu muro, apesar de rodeado por redes verdes escuras, é frequentemente saltado por aqueles que querem explorar tal casa, à tanto por acabar. Eu própria já lá estive, sozinha e triste, mas só em dias de chuva, pois só assim a casa me transcende, de qualquer outra maneira é me igual a tantas outras. E lá nunca choro, as nuvens fazem-no por mim.Mas quero focar-me no agora, e não na história do agora, quero focar-me no que vejo: A casa abandonada, que em dias de sol é igual a tantas outras, mas hoje, o seu cimento combina com as cores do céu; e se nos concentrarmos e fecharmos os olhos, a casa é como que uma orquestraquando a chuva cai, ou nas telhas, ou no cimento, ou ainda na terra e no tijolo, cada um produzindo um som diferente.E o cheiro que invade quem contempla esta imagem é apaixonante; o cheiro a madeira a arder, a lareira. E este, misturado com todos os outros odores que caracterizam tais dias como este, resulta, enfim, no cheiro a que gosto de chamar cheiro a Inverno.Há ainda os pinheiros, que devido ao vento e à chuva libertam pinhas e as suas invulgares folhas, a única coisa que preenche a rua vazia da casa abandonada. E é por tudo isto que a chuva tanto me fascina, por conseguir que nós, seres humanos, reparemos na momentânea beleza de coisas que nunca antes reparámos, como eu e a casa abandonada.

Carta

"Ela pensa que quer esquecer, mas não quer. Ela quer outra vez, quer aquele amor intenso, aquele que a levou a fazer tudo, aquele por quem deu tudo, pelo qual se destruiu. Mas não pode. Até dá pena vê-la, aquele sorriso trémulo e sem significado, fingido por detrás do choro e da amargura. E ele nem nota, ele, que sempre esteve com ela nos momentos intensos, não nota, e por isso ela sofre ainda mais. Julga-se tão traída, tão magoada, porém consegue continuar a amar e amar, e sabe que vai amar sempre, mesmo que esteja com outra pessoa. Pensa de como era bom ver o sorriso dele depois de um beijo apaixonado. Agora, sente na pele a prisão de o ver e não lhe poder tocar, comê-lo com beijos, matá-lo de ternura. E ela parece uma criança, pobre apaixonada que não sabe o que pensar do amor, não sabe o que pensar dele. A maneira como ele dizia que a amava, mesmo que fosse só nos momentos a sós, sim porque aquele amor era algo que só conseguia ser totalmente platónico a sós. Na presença de terceiros pareciam uns trapos que já tinham dado tudo o que havia para dar, e o que ela chorava por isso, o que ela lhe suplicava, mas ele não ligava, e ela não se importava. Os momentos a sós compensavam tudo. Juntos choravam por si próprios, juntos eram como um só, podiam ficar presos naqueles momentos a sós para sempre. Mas eram dois adolescentes apaixonados. Gaiatos que não percebem o próprio sentido da vida. E ela está agora sentada a pensar nisso, temendo que os olhos sequem de tanto ardor e lágrima, as coisas que aquelas lágrimas poderiam contar sobre a rapariga ! O que mais atormenta aquela cabeça desorientada, é o que ele sente. Será que ao beijar a outra imagina a sua cara ? Como ela faz quando beija outro ? Será que está sempre a segui-la com o olhar, será que alguma vez vai ser capaz de a esquecer ? Será que já esqueceu ? Daria ele tudo para voltar atrás? E ela deseja que sim, ela, adolescente não religiosa, prega a Deus para que isso aconteça. No passado sempre lhe disseram que ele lhe fazia mal, que ele a enganava. Mas ele dizia que não, e ela acreditava... e porque não ? Porque não acreditar naquele a quem se entregou de alma e corpo, aquele que chorou com ela, que a amou nos seus braços, e que dormiu sobre ela ? E parecia tudo tão verdadeiro ! E talvez fosse, mas agora não parece. E ela sente-se mal, porque enquanto sofre por um, sente-se a enganar o tal outro que diz que a ama e que acredita que ela o ama. Mas ela não o ama, apenas sabe que estar com este outro a ajuda, mas ela não o ama, ela ama-o a ele, e sempre amará, ele estará para sempre preso no seu pensamento. E o pior, é que ele não nota...e fá-la sofrer de toda a maneira mesmo sem saber. Aquele que a amou fá-la sofrer, e ela chora, humilha-se, destrói-se. E ele não nota."


Como é que tudo se torna assim ? Porque é que certas pessoas demonstram tanta capacidade de ultrapassar os momentos maus e também os sentimentos indesejados, e outras ficam no seu silêncio choroso a lamentar a má sorte ? A crueldade do sofrimento por amor, ou aquilo que julgamos ser amor, pois não existe conceito exacto para tal, é de tal modo enorme, transcendente, tem uma tal capacidade de mobilizar pessoas, levá-las aos actos mais extremos e loucos, que é um dom conseguir geri-lo como deve de ser. Ainda por cima quando se é jovem, a juventude que por uns é aproveitada e por outros desperdiçada em lamentos; é triste ver um ser na sua juventude a degradar-se, ir à loucura, envergonhar-se publicamente, expor-se de tal maneira aos demais que todos conseguem atingi-lo, deixar-se ser guiado por alguém que o despreza e conhece o seu amor. É triste, mas acontece.

(Im)perfeição

Ser perfeito
Quem o é ?
À quem diga que Deus
Gente que tem fé

Ser perfeito
Os ateus ?
Que seguem regras da ciência
Em vez de irem por Deus

Ou aqueles tais indiferentes
Aqueles tais, que
Na sua indeferença
São julgados como más gentes

Perfeição, então ?
À quem procure por ti!
Será que é a tal de imperfeição
Que ronda por aqui ?

Perfeitas as coisas que dizemos ser
Perfeitas de tão imperfeitas que são
Mas não conseguiriamos viver
Sem tal imperfeição

O amor
Tal de perfeito nos momentos de emoção
Perfeito para uns
Para outros não

Erros cometidos
De tal modo irresistíveis
Do mesmo modo irreversíveis
Consequências inpensáveis
No momento do cometido
Que depois do sucedido
Choramos, enfim
Por de tão arrependidos

Imperfeitos quem eu amo
No seu nível de imperfeição
Muito menos que os outros
Imperfeitos são

O que é então ser perfeito ?
É ser culto, inteligente ?
Ser bonito e boa gente ?
É ser justo, ter bondade ?
Viver com vivacidade ?
É ser calmo, paciente
ou então ser indiferente ?
É o que, então
Essa tal de perfeição ?