7.3.07

Longitude

Pensando bem, nunca achou que valhesse a pena. Agora, a sua firme idealização parecia estar a traí-la. Desde pequena que eram longas e tortuosas as noites que levava a divagar na sua morte. A princípio, era-lhe incapaz a compreensão de tais noites, em que as pernas tremiam, incontrolavelmente, em desespero, as lágrimas lhe inundavam o sono, e este era substituído pelo então estrangeiro sentimento de indagação acerca do que fazia ali, deitada na sua cama. Passado tempo, chegou a deixar de pensar na questão, vivendo na alegria de uma sociedade em que juntos nos igualamos, juntos somos o que há a ser, sem questionar. Uma autêntica perfeição, de facto. Porém, o toque veio. Aquele toque que despertou em si o que não sabe se proveitoso ou se fatal, mas certamente o que a levou a relembrar as noites de abstracção na cama. Morte. Mas estranhamente, esta já não veio como incompreensível, mas sim absurdamente desejável. Enoja-lhe relembrar que já pensou assim, pobre criança apartada. Mas na altura tudo lhe parecia ajustado a tão unânime sentimento, estúpido, a essa incógnita vontade de abdicar de existir. Então, de súbito, a origem do toque emergiu em conflicto com a vontade. Na sua já habitual devastação, as mãos cansaram-se do consumista e vicioso toque e, com o direito da sua obrigatória existência, mudou. Mudou de toque. E desse toque para outro, e desse outro para tantos outros díspares. Nisto, a morte despiu-se de fascínio, e o agora sentido mostrou-se, de modo único e inequívoco, mais assombroso que nunca. Os sais das lágrimas deviam-se agora ao medo do fim, ao pânico de não existir, à agonia de ter nascido e ser manipulada a questionar, mais que maquinaria. Ausência e desejo de toque...Numa imaturidade consciente pela vivência, aclamou à racionalidade, deixando de lado a ânsia e premeditação que a viviam, para o prazer de apreciar cada novo padrão de contacto. E a morte suspende, a pairar constantemente sobre a cama onde outrora as pernas tremeram, onde agora sorri. Sorri por tudo o que fez, pensou e será. Por tudo até deixar de existir.

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